Os médicos das ambulâncias do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu), além do socorro de emergência, agora fazem a autópsia verbal de quem morreu com suspeita de coronavírus na capital e no interior de São Paulo. A medida, autorizada pela Secretaria da Saúde do Estado e já adotada pela administração paulistana, vale para todo Estado e causa reclamações entre médicos. Eles alegam sobrecarga de trabalho e o risco de não dar assistência a casos de pessoas com a vida em risco.
A autópsia verbal, com o preenchimento de formulário, é feita quando as informações do prontuário e da família não permitem definir causa da morte de quem morreu fora do ambiente hospitalar, segundo o Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp). Se as informações não forem suficientes nem tiver diagnóstico possível, o médico deve declarar o óbito como “morte indeterminada – aplicada autópsia verbal”, assinalando não haver sinais de morte violenta ou por causas externas. O procedimento chega a demorar três horas, tempo em que a ambulância do Samu fica parada.
Presidente do Sindicato dos Médicos de São Paulo (Simesp), Eder Gatti disse que vários profissionais reclamam da nova atribuição e falam em desvio de função. “Enquanto perde horas com a ambulância parada para preencher o questionário e colher amostras para levar para o laboratório de referência, a equipe poderia estar atendendo casos de emergência. A situação do morto não vai mudar, no entanto poderiam salvar a pessoa que precisa do socorro.”
Conforme Gatti, a capital já entrou na pandemia do coronavírus em situação de precariedade. “A Prefeitura fez reduções nas unidades do Samu em 2019, resultando em aumento no tempo médio de atendimento às emergências. Com a nova atribuição, essa situação se agrava ainda mais.” Segundo ele, o Samu de São Paulo opera com, no máximo, 12 ambulâncias em circulação, quando, pela recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS) seriam necessárias 30 para suporte avançado.
Para ele, as equipes do Samu – com médico, enfermeiros e condutor socorrista – têm de estar disponíveis para emergências, como pessoas com enfarte ou Acidente Vascular Cerebral (AVC), acidentes e queimaduras graves. “Já tivemos um cenário de ambulâncias presas em hospitais por falta de maca para retirar pacientes. Olhando esse cenário, lembro o que se passou na Itália, quando as ambulâncias chegavam ao hospital sem vaga para internação e ficavam paradas, fazendo o possível para o doente não morrer. Isso poderá acontecer aqui.”
O Cremesp manifestou apoio ao decreto 64.880 do Estado, que estabeleceu “medidas temporárias e emergenciais” para casos de morte natural, durante a pandemia, para prevenir contágio de médicos e profissionais de saúde. Com a medida, não estão sendo realizadas autópsias para casos de morte natural no Estado.
O atestado de óbito é dado pelo médico que assistiu o paciente no hospital e, fora do ambiente hospitalar, pela equipe de resgate. O conselho informou ter avisado aos 150 mil médicos paulistas sobre as normas e disponibilizou orientações específicas sobre o preenchimento da declaração de óbito.
A Secretaria Municipal da Saúde da capital informou que cumpre a determinação do governo estadual, ressaltando que a prioridade do Samu é atender casos de urgência e emergência na capital. A pasta não deu retorno sobre a quantidade de óbitos já atestados pelo Samu, nem sobre a estrutura desse serviço.
Em cidades do interior, os médicos do Samu já estão fazendo a declaração de óbito por meio da autópsia verbal. Em Sorocaba, segundo a prefeitura, as sete ambulâncias – duas são de suporte avançado – têm profissionais treinados para atestar a causa do óbito, conforme a orientação da Secretaria da Saúde.
“As equipes do Samu fazem isso sem nenhum problema e até o momento nenhum médico se opôs”, informou a Secretaria de Saúde municipal. A cidade tem outras 18 ambulâncias para dar suporte à rede de saúde.
A Secretaria da Saúde do Estado informou que, visando a fortalecer as medidas de segurança dos profissionais da saúde, pacientes e do serviço funerário, definiu em resolução protocolos de prevenção que preveem que os profissionais da saúde poderão emitir a declaração de óbito dos casos relacionados à covid-19. "Cabe esclarecer que o documento emitido nesses casos é um registro não confirmatório para covid-19 - a confirmação ocorre apenas se o teste comprovar a infecção pelo novo coronavírus, com diagnóstico por laboratórios já validados na rede de saúde." A medida é estadual, teve início em 21 de março, e todas as unidades de saúde já foram orientadas sobre os protocolos, informou a pasta. "Cabe esclarecer, ainda, que a gerência do Samu é dos municípios, portanto cabe a cada município organizar seus serviços para esta finalidade".
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